O homem não vive somente de pão; a História não tinha mesmo pão; ela não se alimentava se não de esqueletos agitados, por uma dança macabra de autômatos. Era necessário descobrir na História uma outra parte. Essa outra coisa, essa outra parte, eram as mentalidades\" Jacques Le Goff

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

É POSSÍVEL REDUZIR A VIOLÊNCIA E AUMENTAR A SEGURANÇA?

Apontado por muitos como o maior problema social que enfrentamos hoje, a violência assusta e inibe as pessoas na convivência social. Alguns resolvem seu problema contratando seguranças particulares, câmeras de vídeo, portões eletrônicos... Mas e a grande maioria da população que depende da segurança pública?
Mundo Jovem: É possível acabar com a violência no Brasil?Melina Risso: Entendemos a violência como um fenômeno multicausal. Portanto não existe uma solução mágica. Em nenhum lugar imaginamos que, se fizer isto, vai resolver o problema. O que temos observado em São Paulo, por exemplo, é que vários fatores contribuíram para diminuir a violência. Primeiro, houve um investimento muito grande na polícia, um investimento na formação, na inteligência, na informação para qualificar a ação da polícia. E uma segunda coisa que temos observado é um incremento das ações da sociedade civil: projetos sociais em locais com índice de alta vulnerabilidade, projetos focados e principalmente com um público bastante afetado, que é o público jovem. Podemos apontar também um envolvimento das prefeituras que têm uma ação preventiva. Em alguns lugares a sensação de segurança é gerada por questões urbanas, de investimento de infraestrutura urbana. E isto é função da prefeitura.Quando a prefeitura trabalha junto com o estado e o governo federal, a gente consegue resultados mais substanciais para a redução da criminalidade. Portanto uma série de coisas compõe este conjunto que reduz os homicídios em São Paulo. Este ano, pela primeira vez, devemos estar chegando na faixa de dez homicídios por cem mil habitantes, que é considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde. É um trabalho longo, intenso, que acontece desde 1995.Mundo Jovem: A lei de controle de armas também favoreceu?Melina Risso: Exatamente. No Brasil os homicídios aconteciam e acontecem prioritariamente com armas de fogo. As medidas de controle deste fator de risco são fundamentais para a redução dos índices. Diversos estudos mostram que este foi um fator para a gente chegar aos índices de hoje.Mundo Jovem: Em geral pensa-se que segurança pública é papel exclusivamente do Estado. As parcerias com as organizações sociais da sociedade civil também podem contribuir?Melina Risso: Essas parcerias não são só importantes, eu diria, mas determinantes. Aqui no Instituto Sou da Paz há algum tempo ampliamos a visão sobre segurança. Não entendemos a questão da segurança do ponto de vista da repressão, que fica na mão da polícia, do sistema penitenciário. Isto sim está na responsabilidade do governo do estado. Mas trabalhamos nos dois âmbitos, qualificando uma repressão, mas investindo muito em prevenção.Se não, vamos ficar sempre nas políticas que chamamos de enxugar gelo: sempre tratando do caso, mas sem conseguir resolver. É preciso tratar da questão antes de ela começar. Por isso os processos de prevenção são fundamentais. E aí entra um papel das prefeituras e das organizações sociais. Quando se começa a fazer o trabalho focado, territorializado consegue-se mensurar os resultados de curto, médio e longo prazo.Mundo Jovem: Vocês criaram o projeto Polícia Cidadã. Como ele funciona?Melina Risso: É um prêmio que aposta na perspectiva da valorização das boas iniciativas policia que não têm visibilidade. Tudo o que aparece na mídiaé o mau policial, o policial corrupto, o policial violento. A nossa aposta é de que já existe uma boa polícia em funcionamento e, portanto precisamos dar visibilidade a ela. Em 2003 lançamos o projeto, voltado para as três polícias de São Paulo: a militar, a civil e a técnico científica. E temos resultados muito bacanas do projeto como um todo. Durante suas três edições já foram premiados mais de 150 policiais e descobrimos muitas coisas bacanas que estão acontecendo na polícia.Mundo Jovem: Como que funciona o prêmio?Melina Risso: O policial conta pra gente de um problema de segurança pública que ele teve e como é que ele resolveu. A partir daí isso é analisado por uma banca, por um comitê de avaliação independente. Esse comitê seleciona 50 ações finalistas, que recebem uma visita para checar a veracidade das informações, das ações e o que deu de resultado. A partir daí volta para a comissão avaliadora, que seleciona esses processos, as ações vencedoras. Todos esses policiais têm uma avaliação do seu histórico como policial, porque estamos buscando aqui bons policiais.
Então a corregedoria da polícia também dá um parecer sobre o policial. E a partir daí fazemos uma grande ação de disseminação e da premiação na Sala São Paulo, onde entregamos um reconhecimento e o policial ganha seis mil reais em dinheiro. Além disso, através de uma parceria com a Faculdade IBETEA, ele pode escolher um curso de tecnólogo.
Mundo Jovem: Este tipo de ação pode ajudar a diminuir a violência?Melina Risso: Sem dúvida, precisamos aproximar a população da polícia como um todo, usando ações de inteligência, de uma polícia mais preventiva, não só repressiva. Nesse contexto todo, consegue-se reduzir a situação de violência que vivemos.Mundo Jovem: O Ministério da Justiça está falando de uma polícia de proximidade. Este projeto parece ter esta visão...Melina Risso: No nosso projeto falamos em polícia comunitária. Uma polícia mais próxima da comunidade consegue ter mais informação, aproxima a comunidade da polícia e reduz a sensação de insegurança. Sempre defendemos uma polícia mais próxima da comunidade. Afinal de contas, a segurança pública é um direito, então o policial está ali para garantir o direito da população.to todo, consegue-se reduzir a situação de violência que vivemos.Mundo Jovem: Como você avalia o sistema carcerário do Brasil?Melina Risso: Antes de discutir o sistema carcerário talvez devêssemos discutir a política de encarceramento, que tem aumentado cada vez mais. Só a política de encarceramento, aumentando as penas etc., historicamente, não tem dado resultado no país. A redução da idade penal também não é solução. Encarceramento aumento de prisões a qualquer custo, por qualquer coisa... isso não resolve o problema. E vamos vendo todos os processos que acontecem, desde as facções de crimes organizados que se formam dentro dos presídios, até as rebeliões que acontecem dentro do sistema. Então é preciso uma profunda reavaliação de como é que estamos, não só o sistema carcerário, mas a política de encarceramento.Defendemos uma racionalidade em relação às penas. Quando o crime é grave, aí precisa ter privação de liberdade etc., mas não para todos os crimes. As penas alternativas, em muitas situações, são bem mais eficazes. tema carcerário, mas a política de encarceramento.Mundo Jovem: Também dizem que cadeia é só pra pobre...Melina Risso: Sem dúvida nenhuma, a prisão hoje é para pobre. Quando fazemos uma avaliação da população carcerária, isto está colocado. Mas temos visto ultimamente algumas ações de inteligência, que punem com prisão também outro tipo de crimes. Mas é um processo que precisamos acompanhar e entender que a justiça é para todo mundo. A justiça num país não pode ser para quem tem dinheiro e quem consegue pagar um bom advogado. A gente precisa ter um sistema de justiça justo, que funcione de uma maneira igual para todo mundo.
Melina Risso,diretora de desenvolvimento institucional da ONG Sou da Paz, em São Paulo.

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